quarta-feira, 18 de março de 2015

Do embuste: Passos Coelho, o cidadão comum

por Rui Rocha, em 08.03.15

Há um embuste a construir-se em redor do contribuinte relapso Passos Coelho. A tese consiste mais ou menos no seguinte: é muito difícil a um cidadão comum conduzir a sua vida sem cometer algum pecadilho tributário. Isto é, face ao emaranhado de impostos, taxas e contribuições, é quase impossível que um assalariado, um pequeno empresário, uma pessoa normal, cumpra rigorosamente todas as obrigações. É aceitável, diz-se, que alguém se esqueça de uma declaração aqui, de um IMI acolá, do desconto para a Segurança Social mais à frente, da liquidação do IVA antes ou depois. Esta linha argumentativa apela ainda à nossa sensibilidade. Quantas vezes, dizem alguns, um pequeno empresário tem de optar entre pagar salários ou cumprir rigorosamente as suas obrigações tributárias. Ou, noutro registo, quantas vezes um pai ou uma mãe têm de optar entre pagar o tributo ou prover ao sustento dos filhos. E aqui estamos nós, já razoavelmente comovidos, imaginando Pedro Passos Coelho imerso em terríveis escolhas morais. Pagamento de impostos ou pagamento dos salários dos colaboradores? Contribuições para a Segurança Social ou refeições das filhas?  O corolário destas posições pode encontrar-se em textos como o de Alberto Gonçalves (há que separar os pecadilhos cometidos por quem não espera mandar nisto e os esquemas elaborados por quem manda) ou o de Helena Matos (para se ter uma vida perfeita é preciso ter sido sempre funcionário público ou do partido). Há, todavia, um problema fundamental com esta barragem argumentativa. É que o percurso de Passos Coelho não cola com o do cidadão que nunca esperou vir a exercer funções de responsabilidade política, nem com o do empresário diligente e sério que sofreu aqui ou ali um percalço. Caso não se tenha reparado, Passos Coelho foi Presidente da JSD, exerceu funções em diversos órgãos partidários e foi deputado à Assembleia da República em várias legislaturas. Mais, a actividade privada que exerceu esteve sempre relacionada com ligações, conhecimentos e, sejamos sérios, compadrios políticos. Isto é, Pedro Passos Coelho sempre foi um político e viveu de, para, pela e com a política. Aliás, a situação de incumprimento é concomitante com o exercício de funções de responsabilidade política e de representação. Na verdade, o tal cidadão Pedro Passos Coelho, desligado do poder e assoberbado por dilemas morais e dificuldadades de conhecimento e cumprimento da lei é uma ficção. Não existe. O que temos é alguém que eleito para representar o povo, se marimbava para o cumprimento das regras que ele próprio discutia e/ou aprovava. A tese do cidadão imperfeito, como todos nós somos ou podemos ser, não bate certo. Em rigor, Passos Coelho é um político de carreira, que sempre teve ou ambicionou ter o poder e que revelou ser, na hipótese mais benigna, profundamente inábil e, na mais razoável, extremamente hipócrita.

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