sexta-feira, 31 de maio de 2013

Jornalista Nuno Pacheco - "Omens sem H"

Ainda o acordo ortográfico. Acabem com esta borrada de vez!!!!

Omens sem H

Espantam-se? Não se espantem. Lá chegaremos. No Brasil, pelo 
menos, já se escreve "umidade". Para facilitar? Não parece. A Bahia, 
felizmente, mantém orgulhosa o seu H (sem o qual seria uma baía 
qualquer), Itamar Assumpção ainda não perdeu o P e até Adriana 
Calcanhotto duplicou o T do nome porque fica bonito e porque sim. Isto 
de tirar e pôr letras não é bem como fazer lego, embora pareça. Há 
uma poética na grafia que pode estragar-se com demasiadas lavagens 
a seco. Por exemplo: no Brasil há dois diários que ostentam no título 
esta antiguidade: Jornal do Commercio. Com duplo M, como o genial 
Drummond. Datam ambos dos anos 1820 e não actualizaram o nome 
até hoje. Comércio vem do latim commercium e na primeira vaga 
simplificadora perdeu, como se sabe, um M. Nivelando por baixo, 
temendo talvez que o povo ignaro não conseguisse nunca escrever 
como a minoria culta, a língua portuguesa foi perdendo parte das suas 
raízes latinas. Outras línguas, obviamente atrasadas, viraram a cara à 
modernização. É por isso que, hoje em dia, idiomas tão medievais 
quanto o inglês ou o francês consagram pharmacy e pharmacie (do 
grego pharmakeia e do latim pharmacïa) em lugar de farmácia; ou 
commerce em vez de comércio. O português tem andado, assim, 
satisfeito, a "limpar" acentos e consoantes espúrias. Até à lavagem de 
1990, a mais recente, que permite até ao mais analfabeto dos 
analfabetos escrever sem nenhum medo de errar. Até porque, 
felicidade suprema, pode errar que ninguém nota. "É positivo para as 
crianças", diz o iluminado Bechara, uma das inteligências que 
empunha, feliz, o facho do Acordo Ortográfico. É verdade, as crianças, 
como ninguém se lembrou delas? O que passarão as pobres crianças 
inglesas, francesas, holandesas, alemãs, italianas, espanholas, em países onde há tantas consoantes duplas, tremas e hífens? A escrever 
summer, bibliographie, tappezzería, damnificar, mitteleuropäischen? Já 
viram o que é ter de escrever Abschnitt für sonnenschirme nas praias 
em vez de "zona de chapéus de sol"? Por isso é que nesses países 
com línguas tão complicadas (já para não falar na China, no Japão ou 
nas Arábias, valha-nos Deus) as crianças sofrem tanto para escrever 
nas línguas maternas. Portugal, lavador-mor de grafias antigas, dá 
agora primazia à fonética, pois, disse-o um dia outra das inteligências 
pró-Acordo, "a oralidade precede a escrita". Se é assim, tirem o H a 
homem ou a humanidade que não faz falta nenhuma. E escrevam 
Oliúde quando falarem de cinema. A etimologia foi uma invenção de 
loucos, tornemo-nos compulsivamente fonéticos. Mas há mais: sabem 
que acabou o café-da-manhã? Agora é café da manhã. Pois é, as 
palavras compostas por justaposição (com hífens) são outro estorvo. 
Por isso os "acordistas" advogam cor de rosa (sem hífens) em vez de 
cor-de-rosa. Mas não pensaram, ó míseros, que há rosas de várias 
cores? Vermelhas? Amarelas? Brancas? Até cu-de-judas deixou, para 
eles, de ser lugar remoto para ser o cu do próprio Judas, com caixa 
alta, assim mesmo. Só omens sem H podem ter inventado isto, é 
garantido. 

Por Nuno Pacheco 
Jornalista

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